1-MARIA
EDUARDA
despertador toca. Mais um dia começa.
Eu me espreguiço. Olho pro lado e vejo que meu amor também acordou. Damos um
beijo de bom dia. Beijo vai, beijo vem e começamos o dia nos amando.
Fábio e eu somos casados
há dois anos. Nosso dia a dia é maravilhoso, levando em conta que trabalhamos
juntos. Sim, juntos. Fábio é meu chefe. Trabalhamos no mesmo banco há quase um
ano. Foi difícil no início, mas agora é mais tranqüilo. O maior problema é
separar o pessoal do profissional. A esposa da funcionária, o marido do patrão.
Esse dia começou
maravilhoso. Pena que não terminou igual. Fábio teve uma reunião difícil. Eu
tinha esquecido a chave de casa (acabei me atrasando depois de fazermos amor e,
com a cabeça no mundo da lua, a chave ficou na mesinha de centro). Como saí
mais cedo, resolvi pegar um táxi pra ir pra casa. Fui pedir a chave dele. Eu
não sabia o teor da reunião. Provavelmente algo como cobrança de resultados,
pois o humor de meu marido não parecia muito bom. Só que eu só reparei depois.
Aí já era tarde demais.
Bati na porta da sala de
reuniões e entrei. Fábio olhou pra mim furioso:
- O que faz aqui, Maria
Eduarda?
Quando ele me chama assim,
boa coisa não é. Posso contar nos dedos quantas vezes ele me chamou desse
jeito. Mas afinal, é o meu nome, não é?
- Desculpa interromper. Eu
só queria a chave de casa.
Ele me olhou com uma cara
que me fez medo. As lágrimas brotaram dos meus olhos como cachoeiras. Eu não
conseguia evitar. Achei que ia explodir. Ele me olhou torto e num tom de voz
desagradável, disse:
- Pegue e suma! E não me
interrompa mais!
Entrei em choque. Depois saí
dali correndo, me debulhando em lágrimas. Mas ainda tive tempo de ouvi-lo
dizer:
- Perdoem-me por essa
interrupção desnecessária. E peço, por favor, que não reparem no comportamento
da minha esposa. Eduarda está passando por alguns problemas.
Ele nunca me tratou com
tamanha hostilidade na frente dos outros. E por quais problemas eu estava
passando? Até onde eu sabia, nenhum. Até o momento meu maior problema era teresquecido
a chave de casa por causa da manhã maravilhosa que tivemos. Manhã a qual ficou
pra trás.
Passei correndo pelo
segurança do banco que me perguntou o que tinha acontecido. Eu disse que não tinha acontecido nada
demais, que estava apenas com dor de cabeça. Peguei o primeiro táxi que passou.
Dei o meu endereço e desabei. Chorei como um bebê. O motorista me olhou
atordoado e perguntou se podia fazer algo pra ajudar. Eu respondi que chegar em
casa rápido já estava de bom tamanho.
Fui correndo pro quarto
que naquela mesma manhã tinha servido de testemunha para a minha felicidade
plena e me joguei na cama que tinha sido meu ninho de amor. Chorei por horas a
fio me perguntando por que meu marido tinha me tratado daquele jeito. Será que
não me amava mais? Será que ele tinha outra? Ou será que só estava descontando
em mim sua frustração mediante aos escassos resultados obtidos nesse mês?De
qualquer forma, ele não tinha o direito de descontar em mim a ira dos
superiores dele. Mesmo ele sendo meu chefe.
Levantei, tomei um banho e
tentei me recompor. Me enfiei no robe e passei um café. Sabia que a qualquer
momento ele chegaria. Só não sabia o que fazer.
Deitei novamente na cama e
liguei a televisão. Zapeei entre os canais, mas não tinha nada que valesse a
pena. Tudo me fazia lembrar a cena ocorrida poucas horas antes. Escolhi um
canal qualquer e comecei a divagar. Meu pensamento foi longe. Foi aí que ele
chegou. Meu coração pulou. Meu corpo estremeceu.
Ele entrou no quarto e me
viu deitada na cama com os olhos inchados. E teve a audácia de perguntar o que
aconteceu! Eu fiquei calada. Ele insistiu:
- Meu amor, o que houve?
Fala comigo!
Minha vontade era
perguntar se ele era bipolar, tinha dupla personalidade ou algo parecido. Eu
continuei quieta e ele continuou insistindo. Explodi:
- Você ainda tem coragem
de perguntar o que aconteceu, Fábio? Sua memória é curta, por acaso? Com
certeza não é porque se fosse você não seria meu chefe!
- Duda, minha linda! Você
não ficou chateada pelo ocorrido na sala de reuniões, ficou?
- Você ainda pergunta?
Passou pela sua cabeça que eu não ficaria chateada? E depois quem tem problemas
sou eu!
- Então você ouviu?
- Claro que ouvi!
- Desculpa, meu bem. Eu
tinha que dar satisfações aos meus chefes pelo seu comportamento.
- Meu comportamento? Eu só
pedi a chave de casa!
- Estou falando do seu
ataque histérico, minha flor.
- Ataque histérico?
- Sim, seu choro sem
motivos.
-Sem motivos? Você me
trata mal na frente de um monte de gente e fala que eu chorei sem motivos?
- Você não chorou apenas,
Duda. Você se descontrolou!
- Me descontrolei? Você
foi grosso comigo e queria que eu fizesse o que? Fosse só sorrisos?
- Eu não fui grosso,
Eduarda. Você que apareceu na hora mais crucial da reunião! Entrou bem na hora
que eu estava tentando explicar o porquê dos baixos rendimentos!
- Eu não podia adivinhar!
E isso não é motivo pra me tratar como um cachorro! Eu sou sua esposa, Fábio!
Eu só precisava da chave de casa!
- Por que cargas d’água
você foi esquecer essa chave logo hoje?
- Eu programei esquecer,
não te contei?
- Sem essa, Eduarda. Não
tem necessidade de ironia.
- Ah, não? E você acha que
eu esqueci por qual motivo? Por acaso esqueceu o que fizemos logo que
acordamos?
- E isso é motivo para
esquecer a chave?
- É motivo para eu me
atrasar! E quando faço as coisas correndo eu largo tudo pra trás! Você devia
saber disso!
- Então você agora tá
reclamando do sexo? Se você quiser podemos parar de fazer de manhã, então.
- Não é nada disso, Fábio!
To reclamando de como fui tratada depois! Que saco!
- Que saco digo eu,
Eduarda! Você se intromete onde não foi chamada e ainda se faz de vítima?
- Você queria que eu
tivesse feito o que? Te esperado por horas a fio como se eu fosse uma otária?
- Otária você foi quando
esqueceu a chave.
- Fábio!
Meus olhos se encheram de
lágrimas novamente. Isso está virando rotina. Nem sei de onde vem tanta água.
- Ah, Eduarda, não fica
assim. Pára de chorar, vai. Não gosto de ver você chorando.
- Que engraçado. Você me
fez chorar o dia todo.
- Não fica assim. Vem cá,
vem.
Nessa hora ele me abraçou.
Sentir seu cheiro foi como um bálsamo. Mas eu não podia perdoar assim tão
fácil.
- Me solta, Fábio. Não me
toca!
- Pára com isso, Duda! Vem
cá que eu dou um jeito nisso.
E começou a beijar o meu
pescoço. Como é difícil resistir!
- Eu não quero, Fábio. Me
larga, por favor!
- Você quer sim. Tá na sua
cara que você quer.
- NÃO QUERO!
- Tá bom, então. Vou tomar
um banho. Ô mulher complicada!
Ele entrou no banheiro.
Acho que não vou agüentar quando ele sair do banho cheirosinho. Ainda estou
muito brava, mas eu o amo tanto! Sei que ele não vai aceitar dormir no sofá,
nunca aceitou, aliás. Então vou eu.
Peguei minhas coisas e me
preparei pra deitar no sofá. Ouvi Fábio sair do banheiro. Corri e me enfiei
debaixo das cobertas.
- Duda? Onde você tá? Ah,
meu bem, vem pra cama. Sai desse sofá e vem deitar com seu maridinho, vem.
Fingi que estava dormindo.
Eu não ia conseguir deitar do lado dele e resistir aos seus carinhos. Eu não
sou tão forte assim.
- Você não vem mesmo? Não
insisto mais. Boa noite, Eduarda.
Ele foi pro quarto. Meu
coração doeu. Amanhã o dia vai ser cheio. Minha cabeça começou a doer e eu
mergulhei num sono profundo, cheio de sonhos.
